sexta-feira, 13 de julho de 2007

UMA VERGONHA EM MIM, a crônica feia.

A música "COMIDA" de Arnaldo Antunes foi o que me veio à mente quando me deparei com essa imagem na Internet hoje cedo...

Na referida música, o grande e inesquecível vocalista dos Titãs faz uma crítica às necessidades de inclusão sócio-cultural hoje tão negadas ao povo brasileiro.

Uma composição profunda que tenta expôr as dificuldades ou mesmo as impossibilidades de acesso da massa às produções culturais, a uma alimentação digna, aos insumos básicos para a complementação e satisfação da Pessoa Humana.

Vejamos o que diz o adorável compositor:

Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.

Ora, o conjunto de assertivas articulado pelo Poeta dos Titãs sobre as demandas de satisfação e expectativas do Ser Humano é louvável, como é também louvável a compreensão disso entre os que têm consciência da importância da Arte para o engrandecimento do Homem enquanto ser Social...
Onde quero chegar, todavia, - e isso o faço com grande constrangimento - é em uma provocação acerca da foto que escolhi para a temática dessa minha crônica. ESSE AFRICANO ESTARIA INTERESSADO NESSE CONJUNTO DE NECESSIDADES?
Entendo que não.

Entendo ainda que esse pobre menino (ou seria menino pobre?) não está interessado em muita coisa não...

Esse, que em mim causou arrepios não conhece outra coisa que não a miséria, a fome e toda sorte de abandono e descaso que conseguirmos agora imaginar.
Essa criança, que nasceu predestinada ao equívoco é fruto, não de um país ou de um Continente empobrecido, é vítima do grande e maior mal que circunda o Homem desde sempre: A ESTUPIDEZ EM SE ACHAR A "COISA" MAIS IMPORTANTE DO PLANETA, e em detrimento disso, destruí-lo, destruir-se.

Essa criança é vítima de todos nós que compomos essa Civilização. Esse mundo apodrecido pela arrogância daqueles que se acham grandes e onipotentes. Nosso compromisso com o nosso tempo precisa ser uma preocupação conjunta. O que acontece neste planete diz respeito a todos nós, somos nós os fatores determinantes neste mundo. Entender que as coisas são assim e que nossa participação nas questões pertinentes a "outros povos" é algo que foge ao nosso alcance denota uma ignorância que não se pode permitir e mais, admitir, em tempos de Globalização, onde os interesses do Capital estão compactados num só artefato.

A História da espécie Humana é repleta de exclusões de toda ordem. Não se tem registro na História da Civilização um único caso onde a segregação, a violência, escancarada ou vedada, não estivesse presente. Nos países de Primeiro Mundo - nomenclatura Moderna e conquistada às duras penas através da exploração das massas - as pessoas não são menos frias do que os "selvagens" primitivos dos tempos remotos, porém, com uma ressalva: a indiferença quanto o sofrimento e o grito dos alijados da vida, parece-me ser mais acentuada nos tempos atuais considerando que temos melhores condições para o debate e a compreensão dos problemas da contemporaneidade.

A mim me parece que estou sendo muito intransigente no que afirmo, e mais, ao atribuir para o nós, seres humanos, a responsabilidade com as questões do nosso tempo, desconsidero uma questão religiosa que atribui à Deus tal responsabilidade.
Não acho justo com Deus, todavia, que O culpemos por nossas ações e muito menos ainda, pela nossa inação.

Teria o Senhor nos dotado de tanta inteligência para que fôssemos isso que somos?
Seria o propósito do Todo Poderoso provar que a espécie Humana é um equívoco em sua criação?

Pondero, acaso o Senhor dos senhores não se entristece com a nossa inércia mediante o clamor do nosso semelhante? A Doutrina que trouxe à Israel suplicava (suplica) para que fôssemos (sejamos) Fraternos - "aquele que socorre a um pobre é a mim que socorre" - , Jesus Cristo não tentou nos provar que era santo, mostrou-nos que se humanizou sentindo todas as inseguranças e medos que atribulam a todos nós mortais, compadeceu-se e ajudou a todos que O abordaram.

É preciso repensar, redirecionar nosso rumo, rever nossos valores, voltar e refazer nossa condição mais elementar enquanto espécie. É urgente essa carência de reflexão, é aterrorizante o grito que dão as pessoas excluídas deste planeta.
Nos afastamos ao extremo do nosso semelhante. Tão distante estamos que nem o reconhecemos mais naqueles que não têm a mesma pele, o mesmo cabelo, a mesma cultura, os mesmos recursos que nós.

Meu Deus!
Onde chegamos? Não podemos avançar mais...
Nossa Civilização está em ruínas, nossos valores todos, equivocados!
A VIDA HUMANA CLAMA POR ATENÇÃO!

Nosso semelhante implora por ajuda, cuidados!
Há crianças dizimadas numa sina de vida que lhes tira as possibilidades de se sentirem GENTE!

Esse discurso é entoado por muitos, evidentemente, não sou único, mas onde queremos chegar???

Paremos um pouco nessa caminhada torpe, desumana, que segrega nosso irmão à uma condição de vida desumana, que envergonha a todos nós.
Não é racional, ou pelo menos tolerável que deitemos e durmamos o sono dos justos se lembrarmos que nesse horário PESSOAS, CRIANÇAS estão violenta e silenciosamente alijadas de qualquer Direito Humano, Civil ou mesmo Natural de ter acesso a comida.

Não se trata nem de defender uma política que intergre esse povo no contexto global de Modernidade, o sonho é simplório, mas parece inatingível, dadas as particularidades do comportamento deste Homem Ocidental centrado em seus inventos, desafios e metas: ESPERA-SE QUE NÃO SE VEJA MAIS ESSA GENTE MORRENDO SILENCIADA, INDEFESA, IGNORADA COMO SE NADA FOSSE... ESPERA-SE COMIDA, UM SORRISO NOS LÁBIOS DE CRIANÇAS INOCENTES E ESQUECIDAS num mundo que caminha como se delas não fosse.

A impressão que tenho é que essa criança não pertence mais a espécie humana, como se o mundo não lhe comportasse mais nenhum espaço ou oportunidades.

Tenho amigos que se sentem mal quando essas pobres criaturas aparecem na televisão: é comum que mudemos de canal, não gostamos de ver tal quadro, nos incomoda, contudo, o que temos feito?

Mudar o canal de TV ou mesmo ignorá-las e quem sabe por por fim, esquecê-las diminuirá nosso compromisso com a Palavra que professamos na Missa todo domingo no sentido de defender os pobres?
Não vê-las pode nos proporcionar uma noite sem culpas, sem pesadelos, mas não trará nenhum refrigério para a nossa consciência que insistirá em lembrar que o pão que comermos no café da manhã é o sonho de criancinhas que nunca saborearam um café completo.

Podemos viver no mundo que quisermos. A imaginação nos permite isso.
Podemos silenciar o nó entalado na garganta diante de tanta miséria.
Podemos, com os nossos afazeres diários e até noturnos, esquecê-las completamente, mas nunca poderemos negar que o reencontro será menos doído.

São Seres Humanos. Não sei, porém, se lhes resta algum sonho.
São Seres Humanos. Não sei ainda, se acreditam em sonhos.
São Seres Humanos. Não sei, sobretudo, se crêem em algo.

Nossa Civilização lhes tirou as condições mais primordiais na composição de um Ser Humano:
A CRENÇA E A CAPACIDADE DE SONHAR.

O que lhes resta?

O olhar dessa criança nos fala tudo, pois certamente não saberia nos pedir nada civilizadamente.
Esses olhos nos vêem como nós somos, frios e dissimulados.
Talvez por isso não gostemos de assistí-los aos Domingos em matérias do Fantástico em meio ao conforto e comodidade do nosso lar.
Esses olhos nos acusam sim.
Nossa fuga, porém, envergonham-lhes.



Marcilon Oliveira.
Mais um - entre milhares - também responsabilizado.

2 comentários:

ladyneide disse...

Sinto-me envergonhada, responsável, triste...e o pior, o sentimento de IMPOTÊNCIA, me deprime!

Marcilon Oliveira disse...

Idem!
Idem!!!

:(


Beijo!